terça-feira, 29 de novembro de 2011

Qual o melhor exame que existe?


Talvez você já tenha feito alguma pergunta simples ao seu médico e ele respondeu que depende. Os médicos parecem gostar dessa resposta e isso deve ser frustrante para o paciente. Darei algumas dicas para evitar essa angústia, pelo menos para a pergunta do título desta postagem.
É bastante simples, na verdade. Basta especificar mais a sua pergunta. O que você quer dizer com melhor? Melhor é mais barato, mais sofisticado, mais moderno, mais clássico, mais confiável, mais sensível, mais específico ... Bom, acho que deu para entender.
O exame mais moderno, caro e bonito nem sempre é o melhor exame. Numa pneumonia adquirida fora do ambiente hospitalar em uma pessoa sem imunossupressão, a recomendação para exames radiológicos segundo as Diretrizes brasileiras para pneumonia adquirida na comunidade em adultos imunocompetentes – 2009 da  Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia é realizar radiografia de tórax em incidência póstero-anterior e em perfil, na abordagem inicial desses pacientes, sendo o único exame subsidiário para pacientes de baixo risco, tratados ambulatorialmente. A tomografia computadorizada deve ser realizada quando houver dúvidas sobre a presença de infiltrado pneu­mônico na radiografia, para a detecção de complicações e na suspeita de neoplasia.
Aqueles que ficam ansiosos, sempre querendo mais, devem lembrar que informações demais podem servir para confundir. Sempre devemos considerar o valor preditivo positivo,negativo e as implicações das informações adicionais na conduta e prognóstico do paciente.
A diretriz recomenda a tomografia computadorizada em apenas um subgrupo dos doentes porque nos demais não há benefício suficiente que justifique o custo adicional e a radiação que é muito maior que na radiografia simples. Além disso, o aparelho de radiografia é muito mais disponível pelo Brasil afora do que uma tomografia computadorizada.
Continuando com o exemplo da radiografia de tórax, imagine um paciente internado em UTI que foi entubado para possibilitar a respiração, passado uma sonda digestiva para a alimentação, um cateter venoso central para administração da medicação endovenosa. Deve-se confirmar a localização desses elementos de suporte à vida, pois se mal locados, devem ser reposicionados. Se uma radiografia simples, realizada com um aparelho portátil no leito, dá essa informação, por que considerar deslocar o paciente da UTI para o setor de imagem, muitas vezes localizado num andar diferente do mesmo hospital, com um suporte móvel de respiração, médico e enfermagem acompanhando, só para realizar um exame mais moderno? Deve haver outros benefícios importantes para justificar esse risco todo.
Outro fator importante é a doença suspeitada. Embora uma tomografia computadorizada multislice de 256 canais sejam mais modernas, o ultrassom é superior na detecção de cálculo na vesícula biliar. Isso ocorre porque a densidade radiológica da maioria dos cálculos da vesícula não apresenta contraste suficiente com a bile para eles serem diferenciados.
O contraste se refere à capacidade de diferenciação de tons na escala de cinza na imagem. Quanto maior a resolução de contraste, maior a capacidade de diferenciar diferenças sutis de tons. Uma resolução de contraste muito baixa significa conseguir diferenciar apenas preto do branco, enquanto uma alta permite diferenciar cinzas muito próximos. Já a resolução espacial se refere a capacidade de diferenciar dois pontos. Se a distância necessária para diferenciar dois pontos for de 1 mm, isso significa que pontos mais próximos que esta distância limite serão considerados como um único.
A ultrassonografia com os transdutores de alta resolução possuem a mais alta resolução espacial dentre as modalidades de imagem, mas o seu contraste e a capacidade de penetração no corpo humano limitam muitas vezes sua utilidade.
A escolha do exame de imagem depende também das intenções do médico que o solicita. Um exame pode ser melhor para o diagnóstico, mas se o profissional já o souber e deseja fazer um planejamento cirúrgico, tentando prever possíveis complicações ou decidir o melhor acesso e técnica, outro exame pode ser mais adequado.
Portanto é fácil. Para não ouvir um “depende”, basta saber quanta sensibilidade, especificidade, custo, comodidade são desejados, se o exame é de rastreamento, para auxiliar o diagnóstico ou para planejar o tratamento, ou para avaliar resposta terapêutica. 


Desabafo do dia: o melhor exame nem sempre é aquela novidade que aparece nos jornais ou na tela da plim plim.

domingo, 16 de outubro de 2011

Semelhanças entre o poker e a medicina

                 Não sou jogador de poker e todo o conhecimento que tenho do assunto é baseado em livros, internet e revistas como a Card Player. Para ficar mais simples, este texto se baseará no Aprendendo a Jogar Poker  de Leo Bello, que fala principalmente do Texas Hold’em. Não sou entendido neste assunto e posso cometer erros conceituais e de interpretação, portanto qualquer equívoco apontado será bem vindo.
                Antes que eu cause revolta em alguém, não pretendo insinuar que a medicina é como um jogo de azar, até porque o poker também não é,  e qualquer um pode apontar as inúmeras diferenças entre os dois. Minha intenção é escrever um texto mais descontraído e fazer algumas analogias para tratar sobre o campo das incertezas, probabilidades e estatísticas a que a medicina e a prática médica estão submedidas. O médico está  também sob o código do consumidor brasileiro e, portanto, é importante que o paciente saiba qual é exatamente o serviço que está comprando. Se alguém quer respostas únicas, precisas e sempre previsíveis, com resultados nunca diferentes do esperado deve procurar outro profissional e outra área de conhecimento. É frequente nos depararmos com expectativas irreais no nosso dia a dia de trabalho.
                Como alguns conceitos no raciocínio diagnóstico podem ser complicados e, mais ainda, pouco atraentes para serem lidos, quero abordar o assunto através de um jogo que se tornou bastante popular. Por coincidência ou não o autor Leo Bello é médico formado pela UFRJ.
                No primeiro capítulo do livro lemos que o “poker é um jogo facílimo de aprender, mas com tanta técnica por trás que, mesmo que você o pratique a vida toda, sempre terá algo mais para acrescentar ao seu repertório”. Não acho que a prática do médico seja simples, porém a idéia de sua atividade não é tão complicada: converse com o paciente, colha sua história, faça um exame físico minucioso, pense em algumas hipóteses diagnóticas, peça alguns exames se precisar, reavalie suas hipóteses e dê o tratamento. Todos conhecem o ditato “de médico e louco todo mundo tem um pouco”, todos dão uma de médico em algum momento da vida, portanto a idéia básica deve ser simples, não é mesmo?
                Os médicos comprometidos irão se aperfeiçoar pela vida inteira em cada um dos itens citados acima, mesmo no primeiro passo que é colher os dados do paciente. Não existe ninguém igual a outro, portanto o melhor modo de fazê-lo nunca será igual.
                No capítulo nove o autor fala sobre o teorema fundamental do poker que diz que sempre que alguém joga diferente do que jogaria se soubesse todas as cartas dos adversários, estes ganham, e todas as vezes que joga da mesma forma que jogaria se soubesse de todas as cartas, ele ganha. Do mesmo modo se algum médico soubesse de tudo que acontece e poderia acontecer com seu paciente e tomasse suas decisões baseadas nisso, ganharia da doença, caso decidisse contra essas informações, a doença ganharia.
                Não é possível saber todas as cartas do paciente e nem ter certeza de que jogo elas formam. Mesmo que fosse, ainda existe o problema de saber como ele vai reagir ao melhor tratamento possível, que pode não existir, portanto fazemos como na dica do livro: “em todas as mãos que você jogar no Texas Hold’em ... deverá sempre tentar imaginar quais as mais provávéis ... Nunca coloque o adversário em apenas uma mão, imagine algumas que ele possa ter e que o façam jogar de determinada maneira”. Fazemos hipóteses diagnósticas e trabalhamos segundo elas, mudando-as conforme o processo segue.
                Logo depois o  livro apresenta um exemplo em que o jogador recebe um par de ases que dá uma chance média de ganhar de 80% das vezes e pergunta se é possível que ele perca 10 vezes seguidas com estas mesmas cartas. Obviamente possível é, mas se ele for all-in por toda sua vida sempre que receber estas cartas e os adversários pagarem a aposta, no longo prazo ganhará 80% das vezes. O  autor refere que no caso do poker  devemos analisar os resultados gerais a partir de  10 mil mãos para termos um longo prazo suficiente. Seguindo o mesmo exemplo do par de ases o autor avalia que para saber se estas cartas estão vencendo a porcentagem esperada, no mínimo devemos ter cem mil mãos, pois se este par aparece a cada 169 mãos,  tem-se apenas 10 exemplos a serem analizados após 1700 mãos.
                Não faço idéia de quanto seria longo prazo na medicina, mas não acho que a escala seja a mesma, pois a gigante maioria dos trabalhos científicos usam um número  bem menor de pacientes para suas análises, mas essa idéia é válida: quanto mais incomum um evento ou uma doença, maior é a porção da população geral necessária para podermos fazer qualquer avaliação.
                O capítulo doze  fala sobre expectativa ou expected value que serve para avaliar o valor do evendo considerando todos os resultados possíveis para o mesmo, usado para considerar se vale a pena entrar ou permanecer na mão. Sempre que a expectativa for positiva, na média o jogador ganhará, portanto vale a pena. Um conceito parecido é usado na medicina e sempre que o benefício compensar o risco, sugerimos um procedimento ou tratamento. Por exemplo, uma apendicite complicada pode ser mortal e o risco da cirurgia é muito menor,  portanto esse procedimento é proposto na grande maioria das vezes. Notem que não há certeza.
                Este conceito serve também para dizer quando não entrar na mão ou não continuar. Isto é algo um pouco mais traiçoeiro na medicina. No dia a dia  é mais do que comum vermos pessoas inconformadas quando os médicos decidem por não instituir nenhum tratamento ou mesmo exames complementares. Quando alguém está com sintomas típicos de infecção viral como um resfriado ou uma diarréia simples, não há nada a fazer a não ser orientações e acompanhamento, ou no máximo sintomáticos. As coisas sempre podem se complicar ou não serem o que pensávamos, mas isso, infelizmente, só poderemos saber com o tempo e a progressão da doença, para isso serve o acompanhamento.
                Muitos gostam de tomar antibióticos, porém os malefícios não compensam em casos típicos de agente viral. Todo medicamento tem efeito colateral, além de nesse caso favorecer a resistência bacteriana o que pode inutilizar o medicamento quando realmente necessário. E quanto aos exames complementares? A radiografia do tórax, por exemplo, não é inócua. Uma única na vida não mudará nada, mas como saber quantas serão necessárias pelo resto da vida, além dos falsos positivos ou negativos e os outros fatores já discutidos em postagens anteriores.
                Não fazer nada é muito difícil para qualquer profissional, bem como seguir um dos princípios éticos médicos mais importante, primum non nocere (primeiro não faça mal), ou seja, não faça nada se o que fizer puder piorar o caso, pois socialmente é o menos intuitivo e mesmo judicialmente, digo isso como completo leigo e baseado apenas em relatos tanto ouvidos quanto escritos, mais complicado de defender.
                Já no capítulo catorze o pot odds e implied odds ajudam a avaliar as chances levando em conta as fichas que já estão em um pote e o quanto se deve colocar para continuar a jogar. Existem muitas situações em que conceitos parecidos aparecem na avaliação da saúde das pessoas, mas citarei alguns exemplos como a toracotomia de emergência que seria abrir o peito numa situação extrema. Se um paciente teve parada cardíaca sem atividade elétrica após trauma penetrante há pouco tempo, não importa que a chance de sucesso seja baixo, vendo as fichas que estão na mesa, qualquer tentativa que tenha alguma chance vale a pena, pelo menos enquanto a probabilidade de sequela neurológica ainda não for grande. Outro caso são os cânceres avançados. Se não houver tratamento disponível na medicina, pode-se propor tratamento experimental, se existir e se o paciente achar que vale a pena.
                Mas tanto o poker quanto a medicina não são compostos apenas por probabilidades e incertezas. Existem as certezas como quando quando alguém forma uma quadra de ases e não há chance de street flush, ou quando se forma royal street flush:  o jogo está ganho. No exemplo acima do trauma perfurante com assístole sem tratamento, o resultado também é certo.
                A principal mensagem que gostaria de transmitir é que se estivermos diante de dois jogadores ou dois médicos, um bom e outro ruim, e eles jogarem uma única vez ou atenderem um único caso, o resultado não servirá para saber quem é quem. É necessário estudar uma longa série de resultados ou o processo utilizado pelo profissional para fazer suas avaliações e tomada de decisões.
                O livro do Leo Bello é ótimo para quem quiser aprender sobre poker e eu recomendo.
Desabafo do dia:  cuidado quando diz que um médico é ruim por causa do resultado inesperado.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Modalidades de imagem



"Que legal Dr., este exame de imagem é colorido!"

     Não é incomum um radiologista ouvir isso, talvez menos nos dias atuais, mas ainda acontece, embora eu não esteja muito certo do que quer dizer essa frase. Acho que as pessoas fazem uma associação com a televisão e o cinema, em que nos seus primórdios era tudo preto e branco e com o avanço da tecnologia imagens ganharam mais cores. Talvez as pessoas pensem que o mesmo ocorra com os exames, porém não é assim que funciona.
    

     O sentido que utilizamos para a avaliação dos exames de imagem é a visão, contudo essas imagens não são produzidas originalmente pela luz. Nós entendemos como cores uma faixa específica de onda eletromagnética que vai de infravermelho a ultravioleta, isso é o que vemos e chamamos de luz. Os feixes com energias mais altas ainda são chamadas de raios-X e radiação gama.

     Os seres humanos enxergam graças aos olhos que são capazes de serem estimulados pela luz e transformar esse estímulo em informação decodificada no cérebro, portanto se não houver o estímulo, não há visão e muito menos cores.

     Os exames de imagem tem como métodos a radiografia, a tomografia computadorizada, a ultrassonografia e a ressonância magnética. Tanto a radiografia quanto a tomografia computadorizada tem as imagens produzidas pela emissão de raios-x, enquanto na ultrassonografia emitimos sons de alta frequência e na ressonância magnética usamos poderosos campos magnéticos para fazer estímulos com radiofrequência.

     O que todos eles tem em comum é que ultilizamos alguma fonte de estímulo e observamos a resposta dos diferentes órgãos e tecidos do corpo humano. Os raios-X são absorvidos ou espalhados de forma diferente em diversas partes do paciente. Já a ultrassonografia depende do grau de reflexão e refração do som. Deixando a física um pouco de lado, facilita entender que alguns tecidos deixam passar mais raios-X ou ultrassom do que outros.

     Imagine que uma pessoa fará uma radiografia do tórax. Para fazer isso emitimos um feixe de raios-X dirigido para a área estudada que deverá atravessar os diferentes tecidos do corpo humano para chegar a um filme posicionado atrás do paciente. No tórax os múltiplos fótons que compõem o feixe passarão por diferentes trajetos e obstáculos, alguns passarão por músculo, outros por músculo e osso, outros por músculo, pulmão e osso, outros quase que apenas por osso, e assim vai. Quanto mais fótons o filme radiográfico receber, mais exposto será o filme, e as regiões com menos raios-X serão menos expostas. A região do pulmão, por exemplo, será uma das regiões que mais permitirá a passagem dos feixes eletromagnéticos, pois contém ar em grande quantidade, enquanto as regiões dos ossos, principalmente a coluna vertebral, serão as regiões com menos exposição por conterem cálcio. Atualmente existe a radiografia digital que pode prescindir dos filmes radiográficos, mas a ideia é a mesma.

     Já na tomografia computadorizada usamos os mesmos raios-X porém de um modo bastante sofisticado em que os raios são emitidos de diferentes ângulos para o corpo sendo captados por múltiplos detectores ao redor. Isso vai gerar um grande volume de dados mostrando quanto do feixe de raios-X foi atenuado em qual ângulo e em que posição em relação ao eixo longitudinal do corpo do paciente. Tudo isso gera uma matriz de dados que é transformada pelo computador em imagens seccionais.

    Para a realização do exame de ultrassom ultilizamos aparelhos chamados de transdutores que possuem cristais emissores de sons de alta frequência inaudível à orelha humana. Este feixe sonoro se propaga pelo corpo humano sofrendo refração e reflexão dependendo do tecido com que se depara. Parte desse som volta para o transdutor que o capta e o transforma em sinal que, por sua vez, é transformado em imagens numa escala de cinza (de branco a completamente preto) dependendo de quanto um tecido permitiu a passagem do som a uma certa distância. Os líquidos transmitem melhor o som enquanto o osso e o ar refletem o mesmo. Quanto maior a distância do órgão a ser availado em relação ao transdutor, maior o tempo que demora para o som emitido voltar e com isso temos os dados das distâncias e profundidade dos tecidos visibilizados.

     A ressonância magnética é mais complicada. Eu particularmente acho que o protótipo desse aparelho foi encontrado numa espaçonave alienígena e durante as investigações perceberam que o efeito colateral do uso dessa máquina era produzir imagens fantásticas do corpo humano, mas só eu penso assim, então ignore. Ninguém gosta muito de física, mas provavelmente piso num terreno seguro se eu presumir que o leitor sabe o que é um átomo e que eles são formados por diferentes combinações de números de prótons, elétrons e neutrons. Pois bem, se o número de nêutrons e prótons for diferente, isso cria um momento magnético: imagine um minúsculo imã dentro do corpo. Como existem muitos e muitos deles e cada um aponta para um lugar diferente, é necessário que o corpo humano seja submetido a uma campo magnético milhares de vezes maior que o do planeta para que eles fiquem unifomes e possamos adquirir dados sobre os órgãos do paciente. Uma vez submetido a este campo desejado, a maquinaria sofisticada faz uma série de mudanças e capta as alterações que ocorrem. Nós utilizamos o átomo de hidrogénio para os estudos, pois é o elemento mais comum no nosso organismo. A água, proteínas e gorduras tem o hidrogénio ligado a diferentes elementos e formam estruturas espaciais únicas que permitem sua diferenciação. As calcificações e cortical óssea geralmente não possuem hidrogênio, portanto são identificadas como ausência de sinal. Esses dados são codificados e transformados em pixels numa escala de cinza, formando as imagens.

     Quanto maior a passagem de raio-X ou de ultrassom, mais para perto do preto será codificado uma estruturas e quanto menor a passagem, mais perto do branco. Contudo, isso é uma padronização. Se achássemos que as imagens ficariam melhores, poderíamos inverter isso. Na realidade na era digitalizada é fácil fazê-lo pelo compudador.

     Mesmo no ultrassom quando o exame é realizado com estudo Doppler colorido não existe cor de fato, são sinais captados pela máquina e decodificados como cor para facilitar nossa avaliação. Para o Doppler colorido usa-se uma escala de vermelho e azul, enquanto no power Doppler a escala é de amarelo e laranja. Utilizam-se cores nesse caso para destacar o sinal do Doppler em relação às imagens do ultrassom convencional que aparecem na escala de cinza. Ficaria muito mais difícil analisar se fosse uma escala de cinza do Doppler sobreposta nas imagens em escala de cinza do ultrassom convencional. Usa-se escala de cores diferentes para a tratografia e perfusão na ressonância magnética e no PET-CT que é a junção das imagens da medicina nuclear com as imagens da tomografia computadorizada. Nestes casos também as cores servem para destacar diferentes imagens unificadas numa única.

     A maioria dos aparelhos de ultrassom hoje em dia permitem mudar a escala de cinza para outras escalas como de azul, vermelho, amarelo, sépia, etc. Muitos já devem ter percebido essa mudança nas cores quando vêem os exames de 3D, outro tópico que causa muita confusão aos leigos que acham que esta modalidade sempre aumenta a acurácia do exame, portanto é algo a se desejar. Não é assim na gigante maioria das vezes, mas isso fica para outra postagem. O mesmo para a tomografia e ressonância magética, é possível mudar a cor das imagens se alguém achar que fica mais bonito.

     A mesma ideia serve para o Doppler espectral que é quando ouvimos, por exemplo, o batimento cardíaco de um feto durante o ultrassom. O aparelho não é um superamplificador que capta o som produzido dentro do corpo humano. O som produzido pela máquina também é uma decodificação do sinal que ele capta.

     Esta postagem pretendeu introduzir os diferentes métodos de imagem e mostrar que elas não representam a realidade como a percebemos no nosso dia a dia através dos nossos sentidos, mas são codificações de fenômenos extrassensoriais. Na próxima postagem discutirei sobre a pergunta "qual exame é o melhor?".

Desabafo do dia: não pergunte se o exame é melhor porque é colorido.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Exame de rotina é diferente de exame de rastreamento

            O cardápio de exames existentes é gigante e continua aumentando. Não é possível para alguém fazer todos eles, nem seria desejável (como espero que você já tenha percebido pelas postagens anteriores), portanto quais testes alguém deve fazer sem ter sintomas? Quais os exames de rotina?
            Para responder a essa pergunta, além de todos os conceitos discutidos anteriormente é importante conhecer o conceito de rastreamento ou screening em inglês. Um exame é considerado como de rastreamento se ele tem alta sensibilidade, custo razoável para ser aplicado em grande escala, ser facilmente aplicável e aceito pela população e que mude a história natural da doença. Para detecção de uma doença numa população assintomática o exame deve identificar o maior número possível de doentes, mesmo que para isso inclua algumas pessoas sem a doença, ou seja, a sensibilidade é mais importante que a especificidade. O custo é importante pois os exames de rastreamento são aplicados para doenças de alta prevalência e num grande número de pessoas. Contudo, mesmo que exista este exame, mas se sua detecção e o tratamento posterior não mudarem o prognóstico do paciente, como por exemplo não mudando o número de anos que o paciente vai viver depois do diagnóstico, não faz sentido ser aplicado para uma população. 

              Isso tudo se refere à saúde pública e deve ser considerado para uma grande população e não necessariamente se aplica a casos individuais. 
               É importante que se entenda isso. O rastreamento serve para diminuir estatisticamente a morbimortalidade numa determinada população, mas diante de um único paciente deve-se considerar suas peculiaridades e avaliar os prós e contras e não apenas as considerações sobre o rastreamento.
              Um exemplo típico de rastreamento é a mamografia a detecção do câncer de mama. Deve ser realizado anualmente prioritariamente em mulheres entre 50 e 69 anos. O mesmo exame pode ser pedido antes, caso haja alguma queixa ou risco aumentado, ou mesmo em homens, pois existe câncer de mama neste gênero também. Nesses casos deixa de ser um exame para rastreamento e passa a ser um exame aplicado para aquele caso específico. Ainda em relação ao aumento da sobrevida, um dos fatores confusionais para dificultar a avaliação do benefício do rastreamento é que se antes de ser aplicado o exame em grande escala havia uma sobrevida com a doença de X anos, ela pode aumentar simplesmente porque ocorre a detecção da doença mais cedo do que na época antes de existir o exame. Se alguém morria com 65 anos pela doença, e descobria com 45 anos, a sobrevida vai aumentar se for descoberta com 30 anos sem nenhuma medicação, cirurgia ou qualquer outro tratamento.
              Vou repetir para que fique bem claro: um exame que serve para rastreamento pode ser aplicado em outros casos se necessário, ou deixar de ser realizado caso haja contra-indicações. O médico sempre está pesando os prós e contras. Se ele considerar que o tratamento para uma doença fará mais mal do que bem para certa pessoa, ele pode nem investigá-la para isso. Espero que isso já tenha feito sentido.
              Cada exane de rastreamento é indicado para uma determinada população específica em que se considera sexo, faixa etária e, em alguns casos, na presença de determinados sinais e sintomas.

Em 2000 José Eluf Neto e Victor Wünsch Filho refletiram sobre esse assunto na Revista da Associação Médica Brasileira com o título SCREENING FAZ BEM A SAÚDE? Segundo seu texto a prevalência de alguma doença específica é menor que 5% na população e se você lembrar das últimas postagens, isso significa um valor preditivo baixo, como para neoplasias que é estimada em geral entre 10 a 20%, o que implica numa maioria submetida a exames desnecessários com suas ansiedades, desconfortos e riscos provocados pelo exame. Deve-se considerar, ainda, a possibilidade de ser submetido a outros exames invasivos para confirmar a doença e, mais ainda, o falso positivo depois de tudo isso, o que significa tratamento e suas consequências sem necessidade real. Eles terminam o texto dizendo: “Para pessoas leigas e para a maioria dos médicos não estudiosos do tema, é difícil entender a ausência de benefício e, mais ainda, a possibilidade de que a realização de certos procedimentos seja deletéria para a saúde de pessoas assintomáticas. Por outro lado, interesses vinculados à indústria de equipamentos e aos grandes laboratórios farmacêuticos devem também contribuir para estimular a realização de exames por algumas técnicas. Indivíduos em geral são mais permeáveis a tais influências”.

             Um bom site para ver os exames com evidências científicas para serem aplicados em grande escala é o
http://www.uspreventiveservicestaskforce.org/ e o seu texto compilando suas recomendações é o http://www.ahrq.gov/clinic/pocketgd1011/pocketgd1011.pdf. Leia esse site e o pdf apenas para ter uma ideia do que existe de verificado por trabalhos grandes e controlados. Muita coisa pode mudar num período curto de tempo e nem sempre o que é aplicado nos Estados Unidos da América é replicado no nosso país, pois cada um tem suas características, mudando as doenças mais prevalentes, as populações de maior risco, etc. Note no site que para alguns exames não há evidências contra ou a favor da sua realização. Isso significa exatamente isso, a força tarefa não diz nem que é para fazer nem que não deve ser feito. Pergunte sempre ao seu médico quais e se há necessidade de exames de rastreamento para o seu caso.

               Já os exames ditos de rotina são os exames da rotina do seu médico e podem incluir exames que o médico considere importante para diagnóstico e acompanhamento no seu dia a dia de consultório, não sendo necessariamente um exame de rastreamento. Cada um desses exames carrega seus riscos e falsos resultados, o que não tem problema em si, contanto que o profissional saiba e consiga lidar com eles.
             Volto a repetir como uma vitrola velha e quebrada: o que importa não é o exame, é quem pede.
             Os exames pedidos irão variar bastante entre profissionais, portanto pergunte ao seu médico sobre eles.


Desabafo do dia: rastreie as pistas. Não entre na rotina.

domingo, 21 de agosto de 2011

Uma pessoa sem doenças pode ter algum exame alterado?

               Para responder essa pergunta devemos primeiro saber o que é normal. Existem muitas definições diferentes de normal, porém acho que é importante conhecer o conceito de normal segunda a curva de Gauss  ou normal. As pessoas são diferentes entre si, o que é uma constatação óbvia, mas significa que elas terão características com diferentes medidas, sendo todas elas consideradas normais. A altura é um ótimo exemplo disso. Como determinar o que é normal, quando passa a ser baixa estatura ou acima do normal? Precisamos definir isso para podermos diagnosticar doenças e propor tratamentos. O mesmo serve para peso, comprimento dos membros, número de batimentos cardíacos, frequência respiratória, temperatura, pressão arterial, etc.
 Geralmente essas medidas se distribuem segundo a curva normal, onde a maior parte das pessoas tem suas medidas ao redor de um certo número e quanto mais distante dele, menos pessoas apresentarão este valor. Para definirmos o normal, determinamos os “valores de referência” ou “pontos de corte”. Isso é considerado avaliando-se  grandes quantidades de dosagens em pessoas jovens e saudáveis. Depois é medido o valor médio e os limites superiores e inferiores pelo cálculo de dois desvios padrões abaixo e acima da média. Por pura e simples definição, somente 95% das pessoas normais apresentarão exames com valores normais; 2,5% estarão abaixo do normal e 2,5% estarão acima. Essas são os 5% falsamente anormais.
                Lembre-se dos conceitos de sensibilidade e especificidade. Se diminuirmos ou aumentarmos as notas de cortes aceitas nos exames, vamos mudar a chance de confirmarmos ou excluirmos uma doença. Contudo isso deve ser feito caso o normal mude conforme idade, sexo, etnia, populações, horário do dia, métodos de realização do exame e outros fatores inter-relacionados.
                Nesta postagem vamos nos concentrar no conceito de normal como 95% da população saudável. Esse jovem hígido pode apresentar exame alterado sem doença alguma?  Por definição, 5% dos resultados são falso positivos. Se forem realizados seis exames sem relação uns com outros ( um RX de tórax e Tomografia Computadorizada de tórax, por exemplo, não valem, pois estão relacionados), pode se esperar de pelo menos 26,5% de faso-positivos (1 menos (0,95 elevado a sexta potência = 1 – 0,735). Caso sejam realizados 12 exames não relacionados, teremos 46% de falso positivo em pessoas normais.
                Notem, isso não tem nada a ver com má fé, falta de preparo do profissional, técnica incorreta de realização do exame, ou de qualquer outro fator que pode deixá-lo revoltado e com muita vontade de processar alguém. Neste caso terá de processar a própria medicina e a variabilidade biológica ou a você mesmo por ser um ser humano.
                Além disso, podem ocorrer erros pré-laboratoriais como preparo inadequado (quantos pacientes não aparecem todos os dias com o jejum inadequado para realizar o exame), uso de medicamentos que interfiram nos resultados; identificação errada do material; e coleta insatisfatória, como quando  a  urina é coletada cotaminada.
                Erros intralaboratoriais tem a frequencia estimada em 3,65% e considerada como ótima se menor que 1%,  mas como ditos, são estimativas, portanto não aceitas, pelo que sei, num tribunal.
                Pode ocorrer erro pós-laboratorial quando registrado erroneamente no prontuário ou se acessado incorretamente no computador, internet ou outros.
                Ninguém gosta, mas todos esses erros acontecem e duvido que um dia deixem de ocorrer. Só não se depara com isso quem nunca vai ao médico e nunca faz um exame.
                Todos esses fatores somados aos conceitos das postagens anteriores como sensibilidade, especificidade, valor preditivo postitivo e negativo dos exames influenciam enormemente nos resultados e na cofiabilidade dos exames. Fazer um diagnótico é como montar um quebra-cabeças, se uma peça servir para completar o desenho, fica valendo, senão deve ser revisado ou descartado.
                Portanto alguém normal pode ter um exame alterado, sim. Por isso, cuidado quando você quiser que um médico peça um exame simplesmente porque quer e acha bonito. Excesso de informação confunde. Médico bom é aquele que pede todos os exames mais modernos que existem? Não. É aquele que avalia corretamente o paciente e suas queixas e pede, se necessário, os exames mais adequados àquele caso. Não fosse isso, o médico seria uma lista de exames para serem solicidados. Um computador seria mais eficiente, aliás. Coloque  sua queixa num retângulo e no outro sai qual exame você deve fazer. Seria ótimo, não é?  Não funciona assim e duvido que isso aconteça durante minha vida.
                No próxima postagem discutirei os exames de rastreamento e os exames de rotina. São diferentes?
Desabafo de hoje:  exames só quando o médico achar necessário.

Probabilidade Bayesiana 2

                Até agora  foram os conceitos básicos necessários para o entendimento do teorema de Bayes. É um teorema importante para a prática clínica porque, quando aplicado à medicina, diz que para sabermos qual a capacidade de um teste confirmar ou descartar uma doença ou  de saber quais as chances de um achado estar correto, depende não apenas da sensibilidade e da especificidade do exame, mas também da probabilidade da doença ou achado serem encontrados no paciente antes do teste. Um dos dados mais importantes para sabermos qual a probalidade pré-teste de uma doença em um paciente é a prevalência.
                Prevalência é o número ou proporção de casos existentes numa determidade população num período de tempo. Isso permite ter uma idéia do quanto é comum ou rara uma doença. Como exemplo temos a hipertesão arterial(pressão alta) que é uma das doenças mais comuns entre as pessoas. Segundo a VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão a prevalência nos últimos 20 anos apontou uma prevalência acima de 30%, ou seja, se tomarmos toda a população brasileira,  mais de 3 em cada 10 pessoas tem essa doença.
                O valor preditivo  positivo refere-se à probabilidade de uma pessoa apresentar uma doença se um teste dar positivo e o valor preditivo negativo refere-se à probabilidade de uma pessoa não ter uma doença se um teste der negativo.
                Vamos a alguns exemplos para facilitar a compreesão. No exemplo da postagem anterior do fictício aparelho que verifica se alguém tem a cor dos olhos verdes, temos que a sensibilidade do teste é de 95% e especificidade é de 93,75%. Se aplicarmos esse aparelho à população de um prédio com 100 pessoas que tenha a prevalência de 30 pessoas com olhos verdes,  teremos os seguinte resultados:
                Com uma sensibilidade e 95%, o aparelho detectará 28,5 pessoas com olhos verdes e deixará de perceber 1,5 pessoa, enquanto pela especificidade de 93,75%, veremos que o aparelho dará como sendo alguém com olhos verdes sem ter esta cor de olhos em apenas 4,375 casos.  O aparelho deu positivo em 32,875 casos, estando correto, portanto em 86,69% dos casos. Este é o valor preditivo positivo. O aparelho deu como negativo em 67,125 casos, estando correto em 97,76 casos. É um ótimo resultado, acreditem. Sucesso.
                Agora mudaremos aprevalência de olhos verdes nesse prédio. Suponhamos que seja de apenas 5 %. Nesse caso teremos 5 pessoas com olhos verdes e 95 com olhos de outra cor. Multiplicando 90% por 5, teremos 4,5 pessoas com resultado positivo e 0,5 com resultado negativo, embora na verdade tenha olhos verdes. Já para as pessoas com olhos de outra cor, teremos que  89,0625 pessoas terão o resultado correto negativo e 0,9 pessoa terá o resultado positivo sem terem a cor verde. O aparelho, neste caso específico, considerou como positivo 1,4 pessoas, o que significa que acertou em 0,357% dos casos (seu valor preditivo positivo) e que seu valor preditivo negativo é de 99,44% dos casos. Este resultado é ótimo, mas para o resultado positivo  é péssimo. Aliás, apenas conhecendo a prevalência, sem olhar para os olhos das pessoas, basta chutar qualquer cor diferente de verde para todo mundo do prédio e acertaremos em 90% das vezes. Neste exemplo, o teste é ótimo para excluir a cor verde, mas se der positivo não há como saber a cor dos olhos usando apenas o aparelho.
                Isso significa que quanto maior a chance da doença estar presente num paciente antes do teste ser realizado, maior a confiabilidade do resultado positivo de um exame. Por outro lado, quanto menor a chance da doença existir em um paciente antes dele realizar um exame, menos confiável é um resultado positivo. Todo esse raciocínio também é válido quando a probabilidade de uma doença ser presente é muito alta antes do exame. Nesse caso a chance do resultado negativo passa a ser comprometido, mesmo que o exame não acuse a doença, se um médico tiver uma alta suspeita, há um aumento de chance do resultado estar errado.
                Tudo que foi dito não tem nada a ver com incompetência do profissional, do aparelho, ou de qualquer coisa dessa natureza, é inerente à própria medicina, pois ela é uma ciência bastante baseada em probabilidades e estatísticas. Sabemos como  uma população funciona, mas é muito difícil afirmar algo especificamente para uma única pessoa.
                Estes números todos são apenas para melhorar o entendimento de todo processo diagnóstico e não se aplicam exatamente no mundo real, pois a sensibilidade, especificidade e prevalência dos exames e testes não são exatos, pois dependem de vários fatores difíceis de serem isolados. A probabilidade de alguém ter uma doença calculada na mente de um médico vai variando conforme a consulta e o resultado não é um número exato, é mais algo como baixa, média e alta probabilidade de ocorrência. A mensagem é que muito do resultado correto de um exame depende do médico e do seu raciocínio antes dos testes. Na próxima postagem reforçarei este conceito, mas abordando a influência do conceito de normal para o resultado incorreto.

Desabafo de hoje: mais vale um médico bom do que mil exames desnecessários.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Probabilidade Bayesiana 1


                Embora existam aqueles que só de ouvirem a mensão de números e matemática já sintam calafrios, esta ferramente é bastante simples, por isso não fechem a página. Ainda.
                A probabilidade bayesiana diz respeito uma tabela de dois por dois (figura1). Só cabem quatro dados nesta tabela (A, b, C, d). Não é nada para temer: um, dois, três, quatro e acabou.

                Vamos imaginar  que um médico seja responsável por uma população de 100 pessoas. Você notou que o número cem é para deixar o cálculo mais fácil, certo? Digamos que este médico cuidadoso quer determinar se os olhos dos pacientes são verdes ou não, pois ele acha que os pacientes com olhos desta cor preferem sentar numa cadeira de couro ( se você não gostou deste exemplo, posso pensar em outros piores). O problema é que ele é daltônico e, portanto, tem limitações para determinar a cor. Ele não confia no seu assistente para lhe informar (conheço muitos médicos paranóicos) e cria um aparelho para fazer isso, é só passá-lo perto do paciente e aparece a resposta no visor. Para validar o aparelho ele faz ensaios clínicos prospectivos randomizados e duplo-cegos usando um perfeito padrão ouro ( saiba apenas que seriam estudos muito bem feitos) e tem como resultado :


18 pessoas com olhos verdes e teste positivo
(A)
2 pessoas com olhos de outra cor e teste negativo (b)
5 pessoas com olhos de outra cor e teste positivo (C)
75 pessoas com olhos de outra cor e teste negativo (d)


                                                                                     

                           


                       
                   Dos cem paciente temos que 20 tinham olhos verdes e 80 tinha qualquer outra cor, supondo que todos tenham os dois olhos com a mesma cor. O teste positivo indica que o aparelho identificou o paciente como tendo olho verde independente se realmente tinha esta cor. Pelos dados acima temos que dos 20 pacientes com olhos verdes, o aparelho detectou corretamente 18 deles, o que dá 90%. Já dos pacientes com olhos de outra cor o aparelho deu positivo em apenas 6,25 %. Acredite, estes são números muito bons. Não acho que o aparelho seja muito útil no dia a dia de uma clínica, mas os números impressionam.
                Voltando à primeira figura temos que A dividido por A + b é igual à sensibilidade do teste e d dividido por C + d é igual à especificidade. Portanto a sensibilidade do nosso aparelho para detectar olho verde é de  90% e sua especificidade é de 93,75%.
                Para um exame a sua sensibilidade seria a chance de dar positivo caso aplicado a um doente e a especificidade, a chance de dar negativo, caso não tenha a doença. Disso podemos inferir que se um exame tem alta sensibilidade, dificilmente vai dar negativo em um doente e se tem alta especificidade, dificilmente dar positivo se for sadio. Vamos ver se você entendeu: um teste de alta sensibilidade é bom para confirmar ou excluir uma doença?  Pense um pouco, pense mais ...

                 É bom para excluir, pois se der negativo, dificilmente é um doente. Um exame de alta especificidade é bom para confirmar a doença, pelo mesmo raciocínio.
                 Todo exame tem sensibilidade e especificidade, mesmo algo simples como um termômetro para verificar uma febre. Por definição, a temperatura normal máxima quando medida na axila é de 37 graus Celsius, sendo considerada febrícula caso atinja 37,5, piorando quanto maior a temperatura. Isso deixa algumas pessoas fora da definição se houver um quadro febril, mas uma temperatura menor do que 37,5 e inclui pessoas sem febre caso tenham temperatura de 37,5. Só para exemplificar rapidamente, alguém sadio correndo todo agasalhado num dia de sol a pino pode medir a temperatura e verificá-la maior que 37 graus, sendo um caso de hipertermia e não de febre. Caso eu aumente a nota de corte da temperatura, aumento a especificidade do teste, mas diminuo a sensibilidade e se diminuir a nota de corte, aumento a sensibilidade, mas diminuo a especificidade. Para mudar ao mesmo tempo tanto a sensibilidade quanto a especifidade, devo procurar um teste diferente.
                Não escrevi antes para não assustar, mas estes foram apenas conceitos básicos e ainda não entramos na probabilidade bayesiana que fica para a próxima.
Desabafo do dia: não seja tão sensível a ponto de entrar em parafuso caso se depare com um resultado de exame um pouco acima do normal sem falar especificamente com seu médico antes. 

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Anamnese e exame físico valem mais que exames de imagem?

                 Você tem preguiça de conversar com seu médico. Você não sabe como explicar o que há de errado. Seu médico não entende na do que é dito. Ninguém tem paciência. Não está dando certo. Está difícil de raciocinar sobre o caso.


              -  Ora, peçam exames! – dirão alguns. Trabalhemos como nas séries de TV da marca CSI, por exemplo, coletando material na cena do crime, digitais, DNA, rastros de sangue, dando pequeno valor às entrevistas com testemunhas ou suspeitos. Seria maravilhoso, não?  Já li e ouvi entrevistas de promotores, delegados e agentes da lei reclamando como essa ficção toda tem dificultado a vida real desses trabalhadores, principalmente diante de um juri.
                - Perfeitamente! -  mas antes disso, vamos examinar um pouco melhor essa consulta. Após colher informações durante a conversa com o doente, chamada pomposamente de anamnese, o médico fará o exame físico, avaliando por inspeção, palpação, percussão, ausculta e por olfato, e com auxílio de intrumentos simples como o esfigmomanômetro, vulgo aparelho de pressão; estetoscópio, aquele para ouvir o coração; e alguns outros, obtem-se alguns novos dados que irão corroborar ou contradizer o raciocínio elaborado até então.
                Após tudo isso fecha-se o diagnóstico e toma-se a conduta, oferecendo tratamento, quando possível, ou, então, parte-se para os exames complementares, incluindo exames laboratorias (de sangue, urina), de imagem ou anatomo-patológico. Marca-se um retorno e é reavaliado o caso na dependência do resultado do tratamento ou do exame complementar.
                Resumindo: é aberto um caso, dados são coletados, investiga-se, raciocínio segue outro raciocínio, chega-se a uma conclusão se for possível, e quando não, investiga-se mais profundamente. Quais os dados mais importantes, qual daquelas partes é a mais importante, o que é mais confiável para chegarmos à hipótese diagnóstica correta?
                Vamos analisar alguns dados. É comum durante um curso de medicina ouvirmos que a maior parte do diagnóstico é dado pela anamnese e exame físico, pela etapa antes dos exames complementares. Infelizmente não existem muitos trabalhos científicos que verifiquem isso, mas você ouvirá uma resposta parecida da maioria dos médicos a quem perguntar.  Em 1975, Hamptom e colegas estudaram 80 pacientes para avaliar a contribuição da anamnese, do exame físico e dos testes laboratoriais para o diagnóstico. Os dados obtidos na primeira consulta foram comparados com o diagnóstico considerado correto após dois meses e mostrou-se que a hipótese diagnóstica formulada após  coletar a história do paciente conferia com o diagnóstico aceito como correto após dois meses de acompanhamenteo em 82% dos casos. O exame físico e os exames laboratoriais forma responsáveis por outros 9% do diagnóstico respectivamente.
                É um trabalho antigo, numa época com muito menos exames complementares disponíveis, cujos casos eram de atenção primária, portanto, naturalmente tem suas limitações, mas Peterson e colegas, em 1992, realizaram um estudo semelhante ao de Hamptom, envolvendo 80 pacientes com doenças sem diagnóstico prévio. Em 76% dos casos o diagnóstico presuntivo após a anamnese concordou com o diagnóstico aceito após mais de dois meses de acompanhamento, em 12% após o exame físico e em apenas 11% após os testes laboratoriais.
                O trabalho de Reilly estudou em 2004  o quanto o exame físico mudou a conduta  por parte dos médicos em pacientes hospitalizados. A idéia é que mesmo que o exame físico traga dados interessantes ou que permita um diagnóstico mais preciso, isso não teria tanta relevância, pelo menos na maioria dos casos,  se a conduta não for mudada. Sem essa mudança dificilmente o curso da doença ou o resultado de toda intervenção médica seria alterado. Este trabalho mostrou que em um quarto dos casos o exame físico foi importante o suficiente para alterar a conduta.
                Estes trabalhos são passíveis de crítica e devem ser interpretados sob uma perspectiva correta. No entanto servem para relativizar os exames complementares tão valorizados.

Vocês podem ler mais sobre esse assunto no Todo paciente tem uma história para contar  de Lisa Santers Ed. Zahar

Desabafo do dia: se o seu médico está interessado e preocupado com o seu caso e mostra-se disponível, evite perguntar "não vai pedir um examezinho?".

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O primeiro contato médico-paciente

              
         O que um paciente quer de um médico? A resposta varia de pessoa para pessoa: uns querem atenção, outros querem competência, resolução, respeito, ética, honestidade, acolhimento, cuidado - de preferência todos estes itens. Alguns acham importante que o médico seja rápido e preciso, existem aqueles que preferem uma atenção mais demorada. Talvez haja pacientes que demandem luxo e mimos, do mesmo modo que indivíduos podem gostar mais de simplicidade e austeridade. Contudo, penso que todos querem que o médico veja o paciente como único, como um caso diferente de todos os outros, com suas particularidades e necessidades específicas, e não apenas como mais um.

         O pedido de um exame de imagem deve ser apenas uma das etapas, caso necessário para que possamos caracterizar em que o paciente é diferente de todos os outros já vistos e estudados, um processo que começa desde o primeiríssimo contato, seja já o vendo distante caminhando em sua direção, seja ouvindo a voz pelo telefone, escutando seus passos no corredor, ou até mesmo sentindo o cheiro do seu quarto antes de enxerga-lo.

         Colhemos informações nos mínimos detalhes, no nome, sexo, idade, naturalidade, nacionalidade. Estes dados que as pessoas preenchem diariamente em diferentes ocasiões de nosso cotidiano fornecem dados importantes para formar um arcabouço sobre o qual acrescentamos muitas outras coisas para formarmos nossas hipóteses e decidirmos condutas.

         Você se conhece desde o primeiro dia de sua vida e muitas informações que perguntamos são tão óbvias e redundantes que pode ser chato fornecer aos outros, mas felizmente precisamos perguntar. Digo felizmente porque mesmo que já soubéssemos as respostas dessas perguntas tão entediantes, o modo como o paciente responde, as palavras que ele usa, o linguajar que utiliza somam impressões ao nosso raciocínio.

         Quem sabe determinado paciente preferisse que um médico fosse um Sherlock Holmes e que conseguisse saber sobre sua vida inteira antes mesmo que sentasse na cadeira do consultório. Isso não acontece e duvido que realmente esse paciente desejasse isso, pois significaria que o médico detetive saberia de outras coisas mais secretas também. Essa é sempre uma das nossas preocupações, o paciente tem direito a sua privacidade e devemos perceber quando a estamos invadindo injustificadamente.

No entanto, embora não sejamos o mais famoso detetive da ficção, nossos trabalhos tem semelhanças, cheios de mistérios, prendendo toda nossa atenção até a solução do caso. Quanto mais pistas boas, mais perto de desvendar o problema. Algumas vezes elas enganam e levam ao erro, em outras, uma única pode resolver tudo. Montamos um quebra-cabeça mental onde os dados que parecem formar uma figura coerente são valorizados e aquelas que destoam são descartadas ou deixadas guardadas para uma posterior revisão.

         Do mesmo modo que o paciente quer que o médico o exergue como único, tentamos fazer o mesmo com todas as queixas que são apresentadas, por isso os médicos insistem em perguntas estranhas: como é sua dor?

Muitos entendem que queremos saber se eles estão sofrendo mesmo e respondem “Minha dor é doída, doutor. É dor de verdade!”.

Não duvidamos (na maioria das vezes). Apenas tentamos entender. Durante os primeiros anos de faculdade, somos instruídos e treinados a destrinchar simples queixas. Aprendemos que até as mais básicas sensações podem ser classificadas em diferentes tipos.

Para o médico uma dor em queimação é tanta dor quanto qualquer outro tipo de dor, mas saber que a dor é em cólica nos ajuda a pensar que ela é originada num órgão que contrai como intestino, útero e vesícula biliar. Uma dor de cabeça pulsátil é uma das características que podem nos ajudar a diferenciar da dor de cabeça em salva.

Sem esse detalhamento, uma parte importante do trabalho médico fica limitado.

Portanto fica o meu primeiro desabafo: sejam pacientes com os médicos que ainda não o conhecem e respondam às suas perguntas. “Minha dor é dor”, “sinto isso faz um tempão”, “o problema é que me sinto muito mal” podem não ajudar muito o seu profissional a lhe ajudar.

Lembrem-se: o paciente fornece as pistas mais importantes para o detetive-médico desvendar o caso.

Motivos

Toda tecnologia que utilizamos sem entender como funciona é mágica, apenas não damos esse nome porque confiamos cegamente em algo que vem com o selo de aprovação da Ciência. Como toda mágica, ela provoca maravilhamento quando nos é benéfica, porém pode causar grande revolta se o resultado é negativo. Ambas as reações são limitadas caso baseadas no desconhecimento e, portanto, na irracionalidade. Acredito que o maior entendimento sobre a medicina por parte de qualquer paciente só pode trazer benefícios tanto para ele quanto para os médicos.
Obviamente este conhecimento não pode ser colocado aqui de modo tão técnico e aprofundado quanto aquele que o próprio profissional possui, porém é possível que seja suficientemente bom para que não haja expectativas irreais ou caça às bruxas.

Nas primeiras postagens colocarei alguns textos sobre como funciona o raciocínio médico.