sábado, 25 de fevereiro de 2012

Como encontrar um bom médico?

        Minhas postagens até agora foram tentativas de oferecer um pouco do conhecimento técnico que embasa a profissão do médico e, mais especificamente, do radiologista.

         Daqui para frente procurarei escrever sobre as dúvidas práticas que observo no meu dia a dia, mas antes gostaria de fazer uma divagação. Irei filosofar.

         São minhas opiniões e ninguém deixará de entender as próximas postagens se não ler esta, portanto fique à vontade.

         Vamos pensar nas profissões que existem desde muito tempo atrás. Faça uma pausa para listar algumas. Carpinteiro, soldado, cozinheiro, pastor, médico ... Bom, se existe, não me lembrei, mas não consigo pensar em nenhuma delas que tenha mudado em essência na sua caminhada até os dias atuais. Aumentaram seu conhecimento, as técnicas e ferramentas podem ser incrivelmente melhores, porém os princípios básicos se mantem.

         Isso vale para o médico também. Embora sejamos fascinados com as nossas conquistas modernas e tentados a pensar que somos muito maiores que de fato, elas são apenas parte de nossa história. Nessas postagens todas quis mostrar que os exames complementares são ferramentas admiráveis e úteis, entretanto continuam como complementos à atividade que é exercida muito antes de Hipócrates. Ainda sinto que a essência da nossa profissão é receber o paciente, conhecê-lo o melhor possível, e oferecer o nosso conhecimento e cuidado, evitando causar o mal e nos limitando ao que sabemos.

         Para isso é necessário parar, acolher, ouvir, observar, pensar, dizer e agir. Não está no nosso poder o resultado. Contudo, com todas as maravilhas alcançadas com a ciência não é assim que hoje a maioria das pessoas vê a nossa profissão.

         Talvez falte entender que a ciência médica faz parte de um conjunto de ciências chamadas de complexas. A física, química, as ditas ciências exatas pertencem à ciência simples. Não quero dizer que estas são áreas de conhecimento fáceis, pois o homem é capaz de lançar naves, satélites e outros objetos a enormes distâncias e com precisão assustadora. Mesmo quando há um erro, muitas vezes é por uma margem mínima ou porque alguém se enganou em um pequeno item. Quem dera tivéssemos tal capacidade nas áreas da saúde.

         A medicina é mais parecida com ciências como a meteorologia, geologia, muitas das ciências sociais e outras ciências biológicas. São chamadas de complexas porque pequenos fatores podem causar enormes variações no resultado final. Na matemática estaria mais para a teoria do caos. “O bater de asas de uma simples borboleta poderia influenciar o curso natural das coisas e, assim, talvez provocar um tufão do outro lado do mundo” é uma alegoria referente ao efeito borboleta.

         Quando ouvimos a metereologia dizer que há 70% de chance de chover no dia seguinte significa que terá acertado se de todas as vezes que fizerem esta previsão, acertarem 0,7 vezes.

         No entanto o que quer dizer se um médico falar que a chance de sucesso da cirurgia é de 80%? Significa que quanto mais vezes ele realizar essa cirurgia, sua estatística se aproximará desse valor. Mas e para aquele único paciente diante do qual o cirurgião está? O que significam estes números para você? Nem os matemáticos sabem direito. Se você optar por uma cirugia, ela será realizada apenas uma vez na sua vida. Mesmo que seja necessário realizar essa cirurgia novamente, as condições serão completamente novas, no mínimo o paciente apresentará a região alterada pela manipulação. Não é possível voltar no tempo, portanto é impossível realizar a mesma cirurgia no mesmo paciente centenas ou milhares de vezes e saber se o resultado se aproxima da estatística esperada.

         Talvez se você pudesse existir em múltiplos mundos iguais ao mesmo tempo, nas mesmas condições, isso significasse que 80% dos seus “eus” tivessem sucesso e 20% não. Na prática isso não importa.

         O ser humano difere em cerca de 0,2% dos seus genes que proporcionam milhões de diferenças. Como o ambiente também influencia e são inúmeras as situações externas que podem moldar uma pessoa, fica virtualmente impossível prever como alguém é ou será.

         Se levarmos em conta tudo isso, é impossível garantir qualquer futuro aos nossos pacientes. Não conseguimos nem ao menos garantir que alguém morrerá se cair do décimo andar. Duvido que algum dia seja possível, mesmo com todos os avanços pela frente. Seria necessário mudar todos os paradigmas aplicados às ciências complexas. Tenho quase certeza de que eu, pelo menos, não verei isso acontecer.

         Contudo, podemos garantir o melhor cuidado e a aplicação das nossas melhores habilidades e era a isso que se referia amedicina na maior parte de nossa história. Acolher e cuidar. Num evento tão incerto que é a vida, saber que existia alguém que dedicava parte da sua vida a tentar restabelecer a saúde ou prevenir a doença podia ser um conforto.

         Ainda hoje, quantas doenças curamos? Muitas delas apenas controlamos, permitindo que se conviva com elas. Outras vezes apenas podemos oferecer um diagnóstico e a garantia de uma companhia nessa jornada. Obviamente me refiro aos médicos, não aos que fingem ser.

         Penso que o melhor critério para achar o seu médico é procurar por aquele que existiria há um século, um milênio ou vários. Um que acolha e que ofereça cuidados médicos.  O resultado a Deus pertence.