- Ora, peçam exames! – dirão alguns. Trabalhemos como nas séries de TV da marca CSI, por exemplo, coletando material na cena do crime, digitais, DNA, rastros de sangue, dando pequeno valor às entrevistas com testemunhas ou suspeitos. Seria maravilhoso, não? Já li e ouvi entrevistas de promotores, delegados e agentes da lei reclamando como essa ficção toda tem dificultado a vida real desses trabalhadores, principalmente diante de um juri.
- Perfeitamente! - mas antes disso, vamos examinar um pouco melhor essa consulta. Após colher informações durante a conversa com o doente, chamada pomposamente de anamnese, o médico fará o exame físico, avaliando por inspeção, palpação, percussão, ausculta e por olfato, e com auxílio de intrumentos simples como o esfigmomanômetro, vulgo aparelho de pressão; estetoscópio, aquele para ouvir o coração; e alguns outros, obtem-se alguns novos dados que irão corroborar ou contradizer o raciocínio elaborado até então.
Após tudo isso fecha-se o diagnóstico e toma-se a conduta, oferecendo tratamento, quando possível, ou, então, parte-se para os exames complementares, incluindo exames laboratorias (de sangue, urina), de imagem ou anatomo-patológico. Marca-se um retorno e é reavaliado o caso na dependência do resultado do tratamento ou do exame complementar.
Resumindo: é aberto um caso, dados são coletados, investiga-se, raciocínio segue outro raciocínio, chega-se a uma conclusão se for possível, e quando não, investiga-se mais profundamente. Quais os dados mais importantes, qual daquelas partes é a mais importante, o que é mais confiável para chegarmos à hipótese diagnóstica correta?
Vamos analisar alguns dados. É comum durante um curso de medicina ouvirmos que a maior parte do diagnóstico é dado pela anamnese e exame físico, pela etapa antes dos exames complementares. Infelizmente não existem muitos trabalhos científicos que verifiquem isso, mas você ouvirá uma resposta parecida da maioria dos médicos a quem perguntar. Em 1975, Hamptom e colegas estudaram 80 pacientes para avaliar a contribuição da anamnese, do exame físico e dos testes laboratoriais para o diagnóstico. Os dados obtidos na primeira consulta foram comparados com o diagnóstico considerado correto após dois meses e mostrou-se que a hipótese diagnóstica formulada após coletar a história do paciente conferia com o diagnóstico aceito como correto após dois meses de acompanhamenteo em 82% dos casos. O exame físico e os exames laboratoriais forma responsáveis por outros 9% do diagnóstico respectivamente.
É um trabalho antigo, numa época com muito menos exames complementares disponíveis, cujos casos eram de atenção primária, portanto, naturalmente tem suas limitações, mas Peterson e colegas, em 1992, realizaram um estudo semelhante ao de Hamptom, envolvendo 80 pacientes com doenças sem diagnóstico prévio. Em 76% dos casos o diagnóstico presuntivo após a anamnese concordou com o diagnóstico aceito após mais de dois meses de acompanhamento, em 12% após o exame físico e em apenas 11% após os testes laboratoriais.
O trabalho de Reilly estudou em 2004 o quanto o exame físico mudou a conduta por parte dos médicos em pacientes hospitalizados. A idéia é que mesmo que o exame físico traga dados interessantes ou que permita um diagnóstico mais preciso, isso não teria tanta relevância, pelo menos na maioria dos casos, se a conduta não for mudada. Sem essa mudança dificilmente o curso da doença ou o resultado de toda intervenção médica seria alterado. Este trabalho mostrou que em um quarto dos casos o exame físico foi importante o suficiente para alterar a conduta.
Estes trabalhos são passíveis de crítica e devem ser interpretados sob uma perspectiva correta. No entanto servem para relativizar os exames complementares tão valorizados.
Vocês podem ler mais sobre esse assunto no Todo paciente tem uma história para contar de Lisa Santers Ed. Zahar
Desabafo do dia: se o seu médico está interessado e preocupado com o seu caso e mostra-se disponível, evite perguntar "não vai pedir um examezinho?".
Nenhum comentário:
Postar um comentário