quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Exame de rotina é diferente de exame de rastreamento

            O cardápio de exames existentes é gigante e continua aumentando. Não é possível para alguém fazer todos eles, nem seria desejável (como espero que você já tenha percebido pelas postagens anteriores), portanto quais testes alguém deve fazer sem ter sintomas? Quais os exames de rotina?
            Para responder a essa pergunta, além de todos os conceitos discutidos anteriormente é importante conhecer o conceito de rastreamento ou screening em inglês. Um exame é considerado como de rastreamento se ele tem alta sensibilidade, custo razoável para ser aplicado em grande escala, ser facilmente aplicável e aceito pela população e que mude a história natural da doença. Para detecção de uma doença numa população assintomática o exame deve identificar o maior número possível de doentes, mesmo que para isso inclua algumas pessoas sem a doença, ou seja, a sensibilidade é mais importante que a especificidade. O custo é importante pois os exames de rastreamento são aplicados para doenças de alta prevalência e num grande número de pessoas. Contudo, mesmo que exista este exame, mas se sua detecção e o tratamento posterior não mudarem o prognóstico do paciente, como por exemplo não mudando o número de anos que o paciente vai viver depois do diagnóstico, não faz sentido ser aplicado para uma população. 

              Isso tudo se refere à saúde pública e deve ser considerado para uma grande população e não necessariamente se aplica a casos individuais. 
               É importante que se entenda isso. O rastreamento serve para diminuir estatisticamente a morbimortalidade numa determinada população, mas diante de um único paciente deve-se considerar suas peculiaridades e avaliar os prós e contras e não apenas as considerações sobre o rastreamento.
              Um exemplo típico de rastreamento é a mamografia a detecção do câncer de mama. Deve ser realizado anualmente prioritariamente em mulheres entre 50 e 69 anos. O mesmo exame pode ser pedido antes, caso haja alguma queixa ou risco aumentado, ou mesmo em homens, pois existe câncer de mama neste gênero também. Nesses casos deixa de ser um exame para rastreamento e passa a ser um exame aplicado para aquele caso específico. Ainda em relação ao aumento da sobrevida, um dos fatores confusionais para dificultar a avaliação do benefício do rastreamento é que se antes de ser aplicado o exame em grande escala havia uma sobrevida com a doença de X anos, ela pode aumentar simplesmente porque ocorre a detecção da doença mais cedo do que na época antes de existir o exame. Se alguém morria com 65 anos pela doença, e descobria com 45 anos, a sobrevida vai aumentar se for descoberta com 30 anos sem nenhuma medicação, cirurgia ou qualquer outro tratamento.
              Vou repetir para que fique bem claro: um exame que serve para rastreamento pode ser aplicado em outros casos se necessário, ou deixar de ser realizado caso haja contra-indicações. O médico sempre está pesando os prós e contras. Se ele considerar que o tratamento para uma doença fará mais mal do que bem para certa pessoa, ele pode nem investigá-la para isso. Espero que isso já tenha feito sentido.
              Cada exane de rastreamento é indicado para uma determinada população específica em que se considera sexo, faixa etária e, em alguns casos, na presença de determinados sinais e sintomas.

Em 2000 José Eluf Neto e Victor Wünsch Filho refletiram sobre esse assunto na Revista da Associação Médica Brasileira com o título SCREENING FAZ BEM A SAÚDE? Segundo seu texto a prevalência de alguma doença específica é menor que 5% na população e se você lembrar das últimas postagens, isso significa um valor preditivo baixo, como para neoplasias que é estimada em geral entre 10 a 20%, o que implica numa maioria submetida a exames desnecessários com suas ansiedades, desconfortos e riscos provocados pelo exame. Deve-se considerar, ainda, a possibilidade de ser submetido a outros exames invasivos para confirmar a doença e, mais ainda, o falso positivo depois de tudo isso, o que significa tratamento e suas consequências sem necessidade real. Eles terminam o texto dizendo: “Para pessoas leigas e para a maioria dos médicos não estudiosos do tema, é difícil entender a ausência de benefício e, mais ainda, a possibilidade de que a realização de certos procedimentos seja deletéria para a saúde de pessoas assintomáticas. Por outro lado, interesses vinculados à indústria de equipamentos e aos grandes laboratórios farmacêuticos devem também contribuir para estimular a realização de exames por algumas técnicas. Indivíduos em geral são mais permeáveis a tais influências”.

             Um bom site para ver os exames com evidências científicas para serem aplicados em grande escala é o
http://www.uspreventiveservicestaskforce.org/ e o seu texto compilando suas recomendações é o http://www.ahrq.gov/clinic/pocketgd1011/pocketgd1011.pdf. Leia esse site e o pdf apenas para ter uma ideia do que existe de verificado por trabalhos grandes e controlados. Muita coisa pode mudar num período curto de tempo e nem sempre o que é aplicado nos Estados Unidos da América é replicado no nosso país, pois cada um tem suas características, mudando as doenças mais prevalentes, as populações de maior risco, etc. Note no site que para alguns exames não há evidências contra ou a favor da sua realização. Isso significa exatamente isso, a força tarefa não diz nem que é para fazer nem que não deve ser feito. Pergunte sempre ao seu médico quais e se há necessidade de exames de rastreamento para o seu caso.

               Já os exames ditos de rotina são os exames da rotina do seu médico e podem incluir exames que o médico considere importante para diagnóstico e acompanhamento no seu dia a dia de consultório, não sendo necessariamente um exame de rastreamento. Cada um desses exames carrega seus riscos e falsos resultados, o que não tem problema em si, contanto que o profissional saiba e consiga lidar com eles.
             Volto a repetir como uma vitrola velha e quebrada: o que importa não é o exame, é quem pede.
             Os exames pedidos irão variar bastante entre profissionais, portanto pergunte ao seu médico sobre eles.


Desabafo do dia: rastreie as pistas. Não entre na rotina.

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